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Cidadania em ação: crianças e adolescentes transformando comunidades

Em um país marcado por profundas desigualdades sociais, pensar a cidadania infantojuvenil em territórios periféricos é reconhecer a potência transformadora de crianças e adolescentes quando lhes são garantidas voz, espaço e oportunidades. Muito além de serem apenas beneficiários de políticas públicas, jovens moradores de favelas e periferias têm se tornado protagonistas de projetos que impactam suas comunidades e constroem, desde cedo, um senso crítico e participativo sobre o lugar que ocupam no mundo.


O protagonismo juvenil nas periferias: mais que resistência, construção ativa


Nas periferias urbanas brasileiras, onde muitas vezes predominam a negligência estatal, a violência e a exclusão social, tem emergido uma força transformadora: o protagonismo juvenil. Longe de se limitar à resistência passiva frente às adversidades, crianças e adolescentes vêm assumindo um papel ativo na construção de novas realidades, por meio de iniciativas que articulam cultura, educação, tecnologia e engajamento político. Este protagonismo, cultivado em projetos sociais e coletivos de base, tem promovido não apenas a inclusão social, mas também o fortalecimento da democracia participativa.


A juventude periférica, tradicionalmente vista como alvo da marginalização, tem sido agente de profundas mudanças locais. Projetos como o Jovens Comunicadores da Maré, no Rio de Janeiro, ilustram essa transformação. Através da capacitação de adolescentes como repórteres comunitários, o projeto fomenta a liberdade de expressão e a crítica social, permitindo que os próprios jovens discutam questões estruturais como a violência policial, a precariedade dos serviços públicos e o direito à cidadania. De acordo com o Observatório de Favelas (2021), esse tipo de iniciativa contribui significativamente para a formação de uma consciência cidadã e para o fortalecimento da identidade coletiva nas favelas cariocas. 


Outro exemplo emblemático é o Projeto Meninos e Meninas de Rua, de São Bernardo do Campo (SP), que, desde 1983, atua na defesa dos direitos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. A iniciativa aposta na formação política dos jovens por meio de oficinas, rodas de conversa e participação ativa em conselhos municipais. Segundo relatório da Fundação Abrinq (2022), projetos dessa natureza são essenciais para romper o ciclo da exclusão e promover o empoderamento infantojuvenil.


Além desses, outros programas têm ganhado destaque. O AfroReggae, no Rio de Janeiro, combina arte e educação para afastar jovens do tráfico e inserir alternativas de vida por meio da música, do teatro e da dança. Já o Instituto Alana, em São Paulo, desenvolve ações voltadas à educação integral e à promoção de direitos da infância, enfatizando a importância do brincar como ferramenta de aprendizagem e desenvolvimento social. Ambos os casos demonstram que o investimento em cultura e educação transforma não apenas trajetórias individuais, mas o tecido social como um todo.


Essas experiências apontam para um modelo de desenvolvimento social que rompe com a lógica assistencialista, apostando na autonomia dos sujeitos periféricos. A juventude das favelas e bairros marginalizados não é apenas vítima das desigualdades: é protagonista de soluções criativas, sustentáveis e democráticas. Como aponta o sociólogo Jessé Souza (2017), é fundamental reconhecer os saberes e as práticas das classes populares como expressões legítimas de conhecimento e ação política.


Diante desse cenário, é urgente que o Estado e a sociedade civil invistam de forma mais estruturada em políticas públicas que potencializam o protagonismo juvenil nas periferias. Isso implica ampliar o acesso a uma educação crítica, garantir espaços de expressão cultural e promover a escuta ativa dos jovens nos processos decisórios. Afinal, como afirmou Paulo Freire, "a educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo".

Em suma, o protagonismo juvenil nas periferias brasileiras deve ser compreendido não apenas como ato de resistência, mas como potência transformadora e ferramenta de construção cidadã. A valorização e o fortalecimento dessas iniciativas são caminhos essenciais para uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva.


A urgência de políticas públicas inclusivas


Em um país marcado por profundas desigualdades sociais, como o Brasil, pensar em políticas públicas inclusivas voltadas à infância e juventude das periferias não é apenas um desafio: é uma urgência ética, social e democrática. Ainda que existam iniciativas bem-sucedidas promovidas por coletivos locais, ONGs e escolas públicas, a sustentabilidade dessas ações é frequentemente ameaçada por obstáculos estruturais, como a escassez de recursos, o preconceito institucional e a ausência de políticas de Estado voltadas à juventude periférica. Assim, torna-se imperativo transformar a cidadania infantojuvenil em prioridade nas agendas públicas, assegurando espaços de escuta, participação e investimento contínuo.


A carência de apoio governamental e de financiamento estável para projetos sociais que atuam na base impede a continuidade e expansão de práticas que já demonstraram resultados positivos. Segundo o Instituto Pólis (2021), a ausência de uma política pública contínua voltada à juventude negra e periférica limita drasticamente o alcance transformador dessas iniciativas.


Outro fator que agrava essa situação é o preconceito institucional, expresso na forma como o Estado enxerga – ou ignora – os territórios periféricos. Em muitos casos, jovens dessas regiões são tratados como ameaça em potencial, especialmente pelas forças de segurança pública, e não como cidadãos com direitos. O relatório da Anistia Internacional (2022) sobre segurança pública e juventude mostra que adolescentes negros e moradores de periferias são as principais vítimas da letalidade policial no Brasil, revelando uma política de exclusão velada que contradiz os princípios da cidadania democrática.


Diante desse cenário, fortalecer a cidadania infantojuvenil nesses territórios se apresenta como uma estratégia crucial para romper os ciclos de exclusão, violência e invisibilidade social. Não se trata apenas de preparar “futuros cidadãos”, mas de reconhecer desde já crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e agentes ativos de transformação. Experiências como a Rede Nacional Primeira Infância e o Programa Escolas Transformadoras, da Ashoka Brasil, demonstram que políticas públicas que incentivam a participação das crianças em decisões escolares e comunitárias promovem maior engajamento social, melhor desempenho escolar e redução de comportamentos de risco.


Ademais, uma política inclusiva deve ir além do acesso básico à educação e saúde. É necessário garantir espaços seguros de expressão, lazer, cultura e protagonismo juvenil. Iniciativas como os Centros de Juventude implementados em Belo Horizonte e São Paulo, por exemplo, oferecem cursos profissionalizantes, oficinas artísticas e atendimento psicossocial, configurando-se como polos de acolhimento e desenvolvimento integral dos jovens. De acordo com dados do Ipea (2023), programas desse tipo contribuem para a redução da evasão escolar e da violência entre adolescentes.


Portanto, a construção de um país mais justo e democrático passa, necessariamente, pelo investimento em políticas públicas inclusivas que valorizem as juventudes das periferias. É fundamental superar o olhar estigmatizante e desenvolver ações que fortaleçam a cidadania infantojuvenil como eixo central do desenvolvimento social. Reconhecer a infância e a adolescência como fases ativas e participativas é reconhecer também o potencial transformador de uma geração que, apesar das adversidades, já constrói alternativas de futuro.


Referências Bibliográficas


BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.


FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 60 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.


GROPPO, Luís Antonio. Juventude e participação política: novos modos de ser político. São Paulo: Cortez, 2014.


UNICEF Brasil. Cidadania e participação de crianças e adolescentes. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil



Observatório de Favelas. Projeto Jovens Comunicadores da Maré. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://observatoriodefavelas.org.br


PROJETO MENINOS E MENINAS DE RUA. Disponível em: https://saraudoforum.wixsite.com/inicio/pmmr


Fundação Abrinq. Relatório Anual sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, 2022.


Souza, Jessé. A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato. Leya, 2017.


Instituto Alana. Relatórios e Iniciativas. São Paulo, 2022.

Anistia Internacional. Você matou meu filho! Letalidade policial no Brasil. 2022.


Instituto Pólis. Juventude e direito à cidade: desafios e propostas. São Paulo, 2021.


Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Boletim de Políticas Sociais. Brasília, 2023.


Ashoka Brasil. Escolas Transformadoras – Experiências de Protagonismo Juvenil. São Paulo, 2020.


Rede Nacional Primeira Infância. Plano Nacional pela Primeira Infância. Brasília, 2022.


 
 
 

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