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Líderes Comunitários no Brasil: Vozes de Resistência e Transformação

Em um país marcado por desigualdades históricas e estruturais, os líderes comunitários desempenham um papel essencial na promoção da justiça social, da preservação cultural e da luta por direitos básicos. No Brasil, diversas figuras oriundas de comunidades negra, indígena, quilombola e de periferias urbanas têm se destacado ao longo do tempo por suas ações transformadoras. Esses líderes, muitas vezes invisibilizados pelo poder institucional, constroem, com coragem e resiliência, caminhos de emancipação coletiva, enfrentando diariamente os efeitos do abandono estatal e das barreiras impostas pela exclusão social, reconfigurando o significado de cidadania no Brasil.


Essas figuras, são fundamentais na articulação de soluções concretas para problemas sociais crônicos. Pois, a partir dessas margens urbanas, surgem sujeitos — em sua maioria mulheres negras e jovens, de acordo com o Instituto Periferias (2021) — que coordenam projetos que impactam diretamente na vida da população. Essas lideranças promovem ações que vão desde a segurança alimentar até a defesa de direitos humanos, agindo com conhecimento prático e sensível das urgências de seus territórios. Em um país onde mais de 13 milhões de pessoas vivem nessas comunidades, segundo a Fundação João Pinheiro (2022), reconhecer essas lideranças é reconhecer o próprio tecido democrático brasileiro.


Ainda assim, essas vozes enfrentam obstáculos profundos, como a estigmatização, o racismo estrutural e a falta de políticas que assegurem apoio contínuo à sua atuação. A criminalização do ativismo comunitário, somada à negligência do poder público, ameaça não apenas o avanço dessas iniciativas, mas também a integridade física e emocional de quem ousa liderar. Por isso, valorizar a liderança de quem dá voz à comunidade é reconhecer a legitimidade de soluções que nascem onde os desafios são mais intensos — e, justamente por isso, mais reais. É entender que a transformação social começa de baixo para cima, com quem conhece de perto as dores e potencialidades do território que habita


A Importância das Lideranças Comunitárias


Os líderes comunitários representam mais do que simples grupos locais: eles são pontes entre as necessidades da população e os mecanismos formais de poder. Em contextos marcados pela ausência do Estado e pela precariedade dos serviços públicos, esses líderes se tornam referências de confiança, escuta e ação direta. Eles conhecem as demandas do território porque vivem nelas, o que confere legitimidade e sensibilidade às suas atuações. Muitas vezes, essas lideranças exercem múltiplas funções: são mediadores de conflitos, articuladores de políticas públicas, facilitadores de acesso a direitos básicos e inspiradores de transformação. 


Sua atuação vai desde o apoio a famílias em situação de vulnerabilidade até a organização de mutirões, oficinas educativas, eventos culturais e ações de cidadania. Além disso, essas lideranças são fundamentais na construção da autoestima coletiva. Elas mostram que essas comunidades são lugar de potência, criatividade, cultura e resistência. Portanto, as lideranças comunitárias não apenas mitigam os efeitos das desigualdades — elas criam caminhos de superação, empoderamento e protagonismo. Fortalece-las significa estimular a democracia na prática, onde ela muitas vezes é mais frágil.


Lideranças que Inspiram


Em vez de impor modelos prontos, as lideranças comunitárias constroem respostas junto com a comunidade, fortalecendo o senso de pertencimento e a cidadania ativa. Elas conhecem o território, a cultura e as dores da comunidade, e isso  faz com que criem soluções mais eficazes, respeitosas e participativas.


Um exemplo notável é a Redes da Maré, organização que atua no Complexo da Maré, um dos maiores conjuntos de favelas do Rio de Janeiro. Fundada por Eliana Sousa Silva, a Rede promove projetos nas áreas de educação, segurança pública, cultura, direitos humanos e saúde. Durante a pandemia, por exemplo, a instituição criou a Campanha Maré Diz Não ao Coronavírus, com distribuição de alimentos, kits de higiene, informações em linguagem acessível e apoio psicológico.


Uma das figuras mais emblemáticas da liderança comunitária no Brasil é Tereza de Benguela, símbolo da resistência quilombola no século XVIII. Liderando o Quilombo do Quariterê, localizado na atual região do Mato Grosso, Tereza organizou uma complexa estrutura de autossustentação econômica e defesa militar, resistindo à escravidão por décadas após a morte de seu companheiro, José Piolho. Sua história não apenas revela o protagonismo feminino negro na luta antiescravista, como também desafia o apagamento histórico que insiste em relegar tais personagens à marginalidade da narrativa oficial.


Outro exemplo emblemático de liderança comunitária é o de Rene Silva, fundador do jornal Voz das Comunidades, um veículo de mídia independente criado dentro do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Atuando desde os seus 11 anos de idade como comunicador popular, Rene se destacou nacionalmente por utilizar a informação como ferramenta de empoderamento e denúncia das ausências do poder público nas favelas. Durante a pandemia da COVID-19, sua atuação foi decisiva: diante do colapso dos serviços públicos e da lentidão das respostas institucionais, ele coordenou uma grande mobilização social que envolveu a arrecadação e distribuição de cestas básicas, kits de higiene, máscaras e insumos para moradores em situação de vulnerabilidade.


Na contemporaneidade, Davi Kopenawa Yanomami é uma das maiores vozes indígenas do Brasil. Líder espiritual e político do povo Yanomami, Kopenawa ganhou reconhecimento internacional com o livro A Queda do Céu (escrito em parceria com Bruce Albert), onde denuncia os impactos do garimpo, da invasão territorial e das doenças levadas pelos brancos às comunidades indígenas. Seu ativismo resultou em importantes avanços, como a homologação da Terra Indígena Yanomami em 1992, após anos de pressão nacional e internacional.


Outra liderança de grande relevância é Mãe Stella de Oxóssi, yalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador. Mãe Stella foi uma defensora incansável da valorização das religiões de matriz africana e do respeito à diversidade cultural. Escreveu livros, ocupou espaços acadêmicos e institucionais e lutou contra o preconceito religioso — ainda muito presente no Brasil. Seu trabalho contribuiu para a institucionalização do ensino da cultura afro-brasileira nas escolas, conforme previsto na Lei 10.639/03.


Além dessas figuras mais conhecidas, é preciso valorizar lideranças comunitárias cotidianas, como Preta Ferreira, ativista por moradia e direitos humanos em São Paulo. Filha da também liderança Carmen Silva, do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), Preta simboliza a luta das mulheres negras periféricas. Após ser presa injustamente em 2019, seu caso gerou mobilização nacional e internacional. Ela segue como voz importante contra o racismo institucional e a criminalização de movimentos sociais.


Por fim, as lideranças comunitárias ao redor do Brasil são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Elas demonstram que, mesmo diante de adversidades, é possível promover mudanças significativas por meio da organização, da solidariedade e do engajamento cívico. Reconhecer e apoiar essas lideranças é essencial para o fortalecimento das comunidades e para a promoção do desenvolvimento social em todo o país.


REFERÊNCIAS


ALBERT, Bruce; KOPENAWA, Davi. A Queda do Céu: Palavras de um xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.


FERREIRA, Preta. Minha Carne: Diário de uma Prisão. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.


LOPES, Nei. Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana. São Paulo: Selo Negro, 2004.


SANTOS, Jocélio Teles dos. Candomblé e Identidade Negra na Bahia. Salvador: EDUFBA, 2006.


SILVA, Carlos Benedito Rodrigues da. História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação. Brasília: MEC/SECAD, 2006.


FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. (2022). Déficit Habitacional no Brasil. Belo Horizonte: FJP.Disponível em: https://www.fjp.mg.gov.br


INSTITUTO PERIFERIAS. (2021). Mapeamento de lideranças comunitárias nas periferias brasileiras. Brasília: IP.


IBGE. “Estatísticas Sociais das Favelas.” 2021. Disponível em:


 
 
 

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